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Conto em preto e branco
Conto em preto e branco

Era uma vez um lugarejo; uma cidade pequena onde não se falava em despejo nem em desterro, pois os problemas sociais se limitavam somente às páginas policiais.
Lá morava Joãozinho; um garoto tratado com carinho, por todos que o encontrava no caminho. Porém um dia, a caminho da escola, Joãozinho resolveu fazer o que desse na cachola; pegou sua merenda, saiu da fazenda e foi ver a novidade que chegara a cidade: uma grande e linda Lan house com gosto de hambúrguer sem brasilidade. Jogou uma maratona de jogos diferentes, tudo foi como um presente, naquele lindo dia de verão quente.
Dias e jogos se repetiram, como um gostoso lenitivo, para todos os dias do ano letivo. Se sentindo mais esperto, via TV cada vez mais de perto; percebendo os personagens como modelo de alento, João começou a ficar marrento. Mudou seu nome para Jhonny, fez penteado de renome e pra não ficar com beiço inerte, comprou chiclete do nordeste no país dos globtrotes; com um sorriso amplo, só faltava agora ficar branco; mas a lente de contato azul ficou linda pra chuchu. 
Agora que, se vendendo, abandonou a escola, virou marca de produto estampado em sacola, a mesma que transporta cola a toda hora pro menor abandonado que implora esmola em frente os bares onde ele mora.
Seu nome era João Eversom, agora Jhonny Jackson; negro de nascimento, embranquecido com o tempo; tempo da TV, dos Out Doors, das capas de revistas de fofocas, das novelas, dos filmes, das Músicas-tema, dos heróis, dos Santos, do Deus... Agora Johnny pensa que manda e desmanda; pensa que é gente decente... Virou pastor da igreja de crente... Converte polícia e gerente a seguir o caminho da paz branca de um Deus branco, do paraíso branco com santos brancos... O resto de si mesmo, ele deixou no quarto do despejo; não no da Senzala do lugarejo, mas no quarto da casa grande; mansão branca do esquecimento da identidade dos áureos tempos, para aquela outorgada no repto do momento.
Pastor Johnny Jakson se elegeu, virou Santo Cristo; político destemido e temido, mora no Distrito Federal, não tem medo de polícia, de justiça ou general. Seus conterrâneos assistem na TV as notícias que queriam ver; notícias de ontem, repetidas hoje com atores embranquecidos sendo atingidos na cabeça, por disparos a queima-roupa de uma arma branca, engatilhada pelo apresentador de sorriso branco-incolor. 
Joãozinho, que quando criança brincava de polícia e bandido, foi atingido e se rendeu. Pra não morrer quando adulto, ofertou sua integridade; trocando dignidade por lealdade a pensamentos a revelia de sua nostalgia vivida dentro de sua ontologia: Os beijos que acordavam; viraram balas, que perdidas, abrem caminho na multidão, trazendo dos sonhos, quem já não queria acordar da ilusão comprada nos restaurantes e shoppings da esquina, a preço de ardente melanina.
Balas que, atingindo seu peito, transformaram-no num Príncipe que dorme em trono de Rei da plebe, sendo um sapo na cidade. A visão encantada das chetas lançadas pela Princesa On-line o mantém num sonho acordado que imobiliza a sanidade da sociedade. Com sofreguidão castelos são erguidos e muros mantêm protegidos pensamentos medievais, dando o aval ao preconceito conceitual veiculado pela mídia digital.
A inquisição do portador de melanina descomunal torna-se fato natural na rotina estatal, que produz e entope a cadeia de marginal; Príncipes negros viram sapos sociais, registrados como persona antinatural no cartório do Crematório Central. A TV que tudo vê, é o juiz que mantém a força motriz funcionando mesmo sem raiz; o beijo da novela é a costela que produz a loiritude necessária ao Adão livre da negrura da escravidão; enquanto o livro de história já sumido na memória, levou o canto banto pra longe dos contos brancos, desaparecidos convenientemente nos escaninhos da escola.
Hoje o lugarejo transformou-se num Palácio e a academia virou uma Catedral; tudo conceitual. O negrinho Joãozinho não conseguiu o beijo de Mariazinha que procura até hoje nos programa de TV seu Príncipe montado numa Harlley Davidson aparecer.
Como em todos os filmes, a vida reproduzida até o fenecer, pelos vampiros, ratos, cobras e lagartos donos da TV, transformam em banzo a alegria de viver; vendendo identidades e produzindo opiniões para os portadores de melanina com pobreza em excesso, furtando o sucesso do sujeito em nome da Ordem e do progresso sem respeito a qualquer processo.
Assim, os novos contos da carochinha engabelam cada criancinha a cada minuto diante da telinha, sem ônus, mas com muito bônus para a justiça muquiça do estado esbranquiçado; contos inculcados pela perversidade cruel, engendrada contra a negralhada calada e amordaçada pelo irreal inventado e articulado por um mentor feudal, que desfila pelo calçadão de Ipanemas e Leblons, Caras e Cancuns, acompanhado da Sinhá e da pequena Poodle, saindo de um Spa, enquanto um homem-bomba explode um ônibus em Bagdá. 
pele negra mascara branca
O príncipe valente falando na TV a todo crente, intimidando a boa gente daquela cidade carente, diz que o inferno já ta bem quente; jurando que a doação da sua terra, de sua casa, de sua gente e mais dez por cento de seu pagamento, seria a única salvação de sua alma no momento; confirmando com veemência que o corpo precisa preservar o sofrimento como lembrança desse livramento. Assim o triste ex-cravo torna-se um feliz escravo, após o angélico beijo traído e cuspido do cupido Romano do lindo romance da novela das sete, ao final infeliz da negra meretriz. 
Mesmo acordando após o beijo, Príncipe continua sonhando; ele é valente. Pensa que um dia tudo vai mudar; sonha que Mariazinha vai chegar e bater na sua porta, lhe dar um beijo e mostrar que não está morta, e como Romeu ele vai encontrar sua Julieta num lindo dia ensolarado pela lua de inverno, saindo definitivamente desse inferno. Então a história finalmente vai começar... Era uma vez, João e Maria...As escolas irão adotar livros de contos, os estudantes começaram a ler e os mestiços se descobrirão negros, encontrando de vez sua identidade perdida nas dependências cartórios da branquitude. Mas por enquanto, João está tão perdido nos cômodos de seu castelo como está Maria no interior de sua floresta, estando ambos no mesmo lugar, separados por distintos momentos ausentes. Por isso tudo aqui é singular e diferente; um país das maravilhas, onde Alice é Crioula e sua lebre reside num casebre, na comunidade da rainha louca comandada por chapeleiro maluco, mas com bastante escrúpulo. João e Maria sendo negros, só poderão se encontrar nessa Terra do Nunca branca, pois seu continente de ébano está ausente em suas mentes topadas pelos entorpecentes trocados como presentes, pelos povos indiferentes aos sentimentos de gente. Beijo negro, beijo branco; sua cor, minha cor; meu valor, seu valor; mas quem é o sofredor nesse conto incolor? O meu conto só tem cor porque o outro... É de terror!
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Amo as mulheres de qualquer tipo, de qualquer raça, de qualquer cor; nem por todas sou amado.

Amo a saudade, amo os meus queridos.

Cléia a dos olhos verdes, Lourdes, a morena; a Lourdes branca; a Neusa; a Adailgisa; a Luíza da farmácia; a Carmem que fazia rendas; a Aninha, a Joaninha da torre... 

Hoje amo outros nomes, a Margarida da casa, a Margarida da rua. amo a cachaça boa, o café quentinho... Odeio o opressor..!!

(Solano Trindade)

 

Paratodas

 

 

 
 
“Brasil, país multicolorido de
Branco; Europa, continente multicolorido de Loiro.
EUA, país multicolorido de olhos azuis.
Multiculturalismo branco, loiro e de olhos azuis.
Bandeira branca do anjo loiro, que olha a terra azul sem enxergar o mundo negro.
África; continente negro, onde surgiu o primeiro homem, a primeira família, a primeira sociedade, o café, a cerveja, linho, a matemática, a medicina, o teatro, o sabonete, a música, a dança, a vida...”
Ubuntu

 

 

 


 

 

Rompendo o silêncio histórico do povo melaninoso, protagonizando o outro ponto de vista de uma outra história que se evita ser contada, afrocentrizando o olhar paradigmático sobre a representação cultural oficialmente formatada, patenteada e legítima como única.




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